Passados mais de 100 anos de sua descrição inicial, a doença de Chagas ainda é um problema sério de saúde pública, particularmente nas regiões mais pobres do Brasil.
Doença de Chagas: Precisamos voltar a falar sobre o problema!
A doença de chagas recebeu esse nome em homenagem ao grande médico brasileiro Carlos Chagas. Suas pesquisas iniciaram em 1908 quando o sanitarista se mudou para a cidade de Lassance no Norte de Minas com a missão de combater a malária e a febre amarela. Ele se deparou com uma nova doença causada por um inseto apelidado de barbeiro que habitava as casas humildes da população rural daquela região e que costumava sugar o sangue das pessoas enquanto dormiam. Após examinar o intestino do inseto ele identificou a presença de um novo protozoário o qual deu o nome de Tripanossoma Cruzi, em homenagem ao também sanitarista Osvaldo Cruz. Já em 1909, ele examinou uma criança chamada Berenice que apresentava quadro de febre, inchaço e aumento de linfonodos. Ao avaliar o sangue da criança, ele observou a presença do Tripanossoma Cruzi. Nascia uma nova doença, a qual ficou popularmente conhecida até os dias de hoje como doença de Chagas. Além de descobrir o agente etiológico, Carlos Chagas foi capaz de descrever o vetor, aspectos patogênicos da doença, as manifestações clínicas e o impacto social e econômico sobre a população vulnerável e recebeu por isso vários prêmios, faltando-lhe apenas o prêmio Nobel, o que para muitos é motivo de injustiça histórica na medicina.
No dia 14 de abril é comemorado o dia mundial de conscientização da doença de Chagas, instituído em 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Passados mais de 100 anos de sua descrição inicial, a doença de Chagas ainda é um problema sério de saúde pública, particularmente nas regiões mais pobres do Brasil. O combate ao inseto teve início na década de 80 através da atuação de agentes sanitários e melhoria das condições de moradia nas áreas afetadas. Após longos anos de atuação e combate ao inseto, em 2006 a Organização Pan Americana de saúde reconheceu o Brasil como o primeiro país da América Latina a interromper a transmissão direta causada pela picada do Barbeiro. Atualmente, a transmissão oral, causada pela ingestão de alimentos contaminados são motivo de preocupação e casos agudos da doença já foram relatados após ingestão de açaí e caldo de cana nas regiões norte e sul do país. Cuidados quanto ao manejo e processamento desses alimentos são fundamentais para evitar novos casos da doença.
Atualmente, estima-se que 1,9 a 4,6 milhões de pessoas são infectadas pelo Tripanossoma Cruzi no Brasil. No norte de Minas Gerais a doença é endêmica e afeta diversos municípios. Um levantamento realizado pela Superintendência Regional de Saúde (SRS) de Montes Claros apontou que entre 2021 e 2024 foram notificados 1.362 casos da doença de chagas em 54 municípios do Norte de Minas. A cidade de Montes Claros aparece em primeiro lugar com 365 casos notificados, em seguida vem Espinosa com 244 casos. Esses dados epidemiológicos são de extrema relevância e indicam que a doença de chagas ainda faz parte da realidade norte mineira e que medidas de prevenção, identificação e reconhecimento dos casos são fundamentais para aumentar as chances de sucesso do tratamento. Segundo informações de representantes da SRS de Montes Claros, Espinosa está entre as cidades prioritárias do Norte de Minas para implementação de medidas que visam o diagnóstico precoce e o atendimento de pacientes com doença de chagas nos serviços de atenção primária a saúde. Embora tais medidas possam amenizar em parte o sofrimento causado pela doença, as limitações de assistência à saúde no Norte de Minas para problemas de alta complexidade acabam por determinar uma evolução bastante desfavorável para os pacientes que desenvolvem a forma cardíaca da doença de Chagas. É sabido que cerca de 30% dos portadores da doença de chagas podem evoluir com acometimento do coração. Após longos períodos de silêncio absoluto, os pacientes podem apresentar arritmias cardíacas graves ou falência do músculo cardíaco. Estes pacientes demandam tratamento especializado e acompanhamento rigoroso para aumentarem as chances de sobrevivência com a doença. Eventualmente, intervenções mais complexas, disponíveis apenas em grandes centros, são necessárias e exigem que pacientes já bastante comprometidos pela doença sejam obrigados a procurar assistência médica em capitais do Brasil. Infelizmente, muitos ficam pelo caminho à espera de uma vaga em hospitais públicos onde a fila é demorada e os recursos escassos. É uma luta ingrata e desigual!
Diante da realidade angustiante de muitos doentes portadores da doença de chagas que lutam para acessar os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), a solidariedade e a busca por soluções alternativas tornam-se imperativas. Nesse contexto, é crucial que a sociedade e as autoridades se unam para garantir que esses pacientes não sejam deixados em segundo plano. É fundamental estender redes de apoio, promover companhas de conscientização e buscar parcerias com instituições locais e internacionais para fornecer assistência médica e tratamento adequado. Nesse sentido, a criação de centros de referência na própria região que pudessem solucionar todas as demandas dessa população sem a necessidade de força-los a buscar amparo em locais distantes da sua realidade social e econômica seria essencial. Cada gesto de compaixão e cada esforço em prol da saúde desses indivíduos pode contribuir para aliviar seu sofrimento e restaurar sua esperança em um futuro melhor.
– Dr. Acácio Fernandes Cardoso – Cardiologista e Eletrofisiologista
– Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo – USP
– Diretor do Serviço de Eletrocardiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP