Flávia teve cerca de 80% do corpo queimado e precisa de cuidados especiais — Foto: Arquivo pessoal
A adaptação foi difícil, ela chorava muito por causa das feridas, que hoje estão cicatrizando. Esperamos conseguir a indenização, porque a situação está complicada.”
O relato é de Élica Nayara Soares, mãe de uma das alunas feridas no ataque incendiário de um vigia a uma creche em Janaúba, no Norte de Minas Gerais, em 5 de outubro de 2017.
Ações contra a Prefeitura
A Defensoria Pública de Minas Gerais acompanha o drama das famílias e entrou com um processo coletivo por indenizações. Todos os procedimentos são contra a Prefeitura, já que a creche Gente Inocente era municipal e o autor do ataque, funcionário público.
“As ações de indenização estão em fase de instrução e ainda não há previsão de julgamento. Na ação coletiva, pedimos o reconhecimento no dever de indenizar. Após esse reconhecimento, vamos avaliar cada situação para definir qual valor será pedido para cada família”, afirmou em entrevista ao G1 o defensor público Gustavo Dayrell.Ainda em dezembro de 2017, a Prefeitura Municipal de Janaúba e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) celebraram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que previa o pagamento de um adiantamento de indenização às vítimas.
Pela decisão, a Prefeitura de Janaúba passou a repassar, a partir de janeiro de 2018, de R$ 1 mil por mês em casos de morte ou lesões graves e R$ 500 em casos de lesões leves.”Estes valores futuramente devem posteriormente abatidos do montante final que eventualmente a vítima receberá a título de indenização integral do dano individual”, informou o MPMG em nota divulgada na época.
Ele afirmou ainda que não há expectativa de prazo para uma resolução final com relação ao pagamento integral das indenizações, devido à complexidade das ações.Além do processo coletivo por indenização, havia outros dois para o fornecimento de medicações. Com relação a esses, as liminares já foram deferidas – em março e julho deste ano –, e o poder público está arcando com o tratamento.
“Ela usa placas com medicamento onde a cicatriz está alta, e depois é colocada uma fita micropore por cima. Essas placas são trocadas a cada 15 dias e têm ajudado a diminuir a coceira e reduzir as cicatrizes da queloide. Ela sofreu queimaduras nos braços, nas costas, tronco, pernas e no rosto”, diz a mãe de Flávia.Apesar de todas as dificuldades, a recuperação da garota traz esperança a Élica.
Mateus morreu durante o ataque à creche — Foto: Arquivo pessoal |
Recomeço para mãe de Mateus
Sorriso dócil e olhos brilhantes. São essas as lembranças que a balconista Valdirene Santos guarda do filho Mateus, que morreu no incêndio criminoso. Dois anos depois, ela diz que vive um luto e enfrenta uma batalha diária. Valdirene tem outras duas filhas, de 13 e 22 anos.
Quando recebeu a notícia do ataque, ela estava no trabalho. “No primeiro momento, achei que era um foguinho de nada, e aí corri para o hospital. Ao chegar lá, percebi a gravidade. Mas nunca pensei negativo, sempre pensei que Deus faria uma obra e meu filho se recuperaria.”
“A vida mudou e está muito difícil. Eu tive que me mudar da casa que eu gostava muito, porque as lembranças eram fortes. Minha filha mais velha era apegada demais com o Mateus e está com depressão. Mateus era carinhoso e inteligente, ele gostava de beijar e abraçar as pessoas”, diz a mãe do garoto, que tinha 5 anos ao morrer.A creche foi reconstruída cinco meses após a tragédia, e é lá que Valdirene busca apoio, em visitas semanais.
“O fogo não queimou as lembranças boas que tinha de lá. Meu filho gostava demais da creche e eu prefiro sempre pensar no lado bom, por isso toda semana visito a creche. Lá, eu me sinto em paz, tranquila. Sempre converso com as professoras e levo um apoio para elas”, conta a mãe de Mateus.Valdirene diz que doou os objetos do filho e só levou para a nova casa a roupinha do batizado dele, o caderno e uma roupa que o menino usou para ir à escola no dia do ataque.
Viúvo de professora criou associação
A Associação de Familiares e Vítimas da Tragédia de Janaúba foi criada sete meses após o incêndio. O presidente é Luiz Carlos Batista, marido da professora Helley de Abreu, vítima da tragédia.
“Helley deu a vida para salvar as crianças — a vida dela era aqueles alunos e a escola. Ela era apaixonada pela profissão. Diante de todos os fatos, eu me vejo como alguém que precisa ajudar a dar continuidade para a obra dela”, explica ele.A associação tem um gasto médio que varia de R$ 12 a R$ 14 mil por mês. O valor é usado para compra de medicamentos, custeio de cirurgias e até reforma das casas onde as vítimas moram, que precisaram ser adequadas às necessidades delas após receberem alta.
Neste sábado, dia em que se completam dois anos da tragédia, a Defensoria Pública promove uma ação especial em favor das famílias das vítimas.
A procuradora do município, Amanda Amarante Moreno, responsável pelas ações judiciais decorrentes da tragédia na creche Gente Inocente, informou que foi estabelecido um protocolo para o atendimento das vítimas, a cargo do Centro Estadual de Atendimento Especializado.
Ela cita também que, logo após o episódio, uma equipe multidisciplinar passou a atuar no atendimento integral às vítimas e suas famílias.”O município reconheceu, pela Lei Municipal no 2.251/2018, o seu dever de reparação, antecipando a indenização às vítimas e suas famílias, nos valores de R$ 500 e R$ 1 mil mensais, a depender da situação de saúde da vítima, que findaria em dezembro de 2018. No final de 2018, em acordo com o Ministério Publico de Minas Gerais, o Município estendeu o pagamento até o ano corrente”, afirmou a procuradora.